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Descansar sem culpa

Porque parar, dormir e sonhar também são estratégias de sustentabilidade para seguir em 2026

Algumas pessoas, no entanto, são agraciadas com os chamados períodos de recesso. Mas o que poderia ser uma oportunidade real de recarregar as energias muitas vezes se transforma em um sofrimento silencioso: a culpa de descansar.

Parar, dormir mais, não ocupar a agenda com todos os compromissos possíveis. A culpa aparece justamente quando a gente tenta fazer algo básico: cuidar de si.

Essa culpa não nasce do nada. Ela é treinada. Jonathan Crary, em Capitalismo tardio e os fins do sono, descreve a lógica 24/7, em que tudo pode e deve ser convertido em performance. Nesse cenário, dormir, pausar ou simplesmente não responder vira quase um ato de desobediência. O sono deixa de ser uma necessidade biológica e passa a ser interpretado como falha de gestão pessoal.

Estima-se que, no Brasil, cerca de 30% dos profissionais sofram com burnout, e esse sofrimento impacta especialmente as mulheres. De acordo com o relatório Women in the Workplace 2025, da McKinsey e da LeanIn, seis em cada dez mulheres em cargos seniores relatam exaustão frequente.

Não fazer parte dessa estatística não é uma escolha tão simples. Para grande parte das mulheres, o trabalho não termina com o fim do expediente remunerado. Mesmo aquelas que não dedicam tanto tempo às atividades domésticas ainda lidam com tarefas constantes de cuidado, como mediação emocional e a gestão invisível da casa, da família e até das confraternizações de fim de ano.

É simbólico que o ano comece com o Janeiro Branco, mês dedicado à saúde mental. Sidarta Ribeiro, neurocientista brasileiro, lembra que o descanso e o sono precedem algo ainda mais profundo: o sonhar. Segundo ele, durante o sonho o cérebro consolida memórias, regula emoções e cria novas conexões, sendo um exercício fundamental de imaginação de futuro. Talvez por isso seja tão difícil descansar sem culpa. Porque descansar não é apenas parar de produzir. É preservar a capacidade de desejar, criar e continuar.

Paradoxalmente, é também nessa época de virada de ano que costumamos traçar nossas metas e quase nunca colocamos o descanso como um compromisso. Então aqui vai uma sugestão simples: antes de se debruçar sobre suas ambições para o novo ano, descanse. Gente exausta sonha pouco e, assim, fica mais difícil imaginar cenários otimistas e pensar grande.

Que, em 2026, possamos olhar para o descanso como uma estratégia de sustentabilidade de carreira, de saúde e de relações. Sustentabilidade de vida. E que a gente se perceba menos orgulhosa do cansaço e mais comprometida com a própria continuidade.